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Em Um Pergaminho...


por Caroline Pessoa
           




           Seria atípico eu tentar lhe dizer alguma coisa usando suas armas?

           Oh, eu sei do seu sorriso de menina travessa brotando de leve nos lábios quando imagina que tipo de coisas te diria – ah, por favor, não pense que eu andei lendo seus pergaminhos ou então visitando alguma coisa dos seus poetas favoritos. Isso é inteiramente meu e por que agora você dorme agarrada àquela manta que eu te comprei quando estávamos em Amphipolis daquela vez, me vi necessitada de me expressar de uma forma diferente.
           Eu me lembro do dia que te vi corajosa em Potedia. Nunca o sol foi tão brilhante em toda a minha vida no momento em que contemplei – o infeliz foi ter que dispersar esse momento. E quem diria que eu teria muito mais tempo para observá-la... Como agora. Ainda lembro-me de quando eu a agredi na cela daquela prisão – você voltou por mim. Jamais esqueci esse fato, assim como me lembro ou sonho quase sempre com todas as vezes que você esqueceu-se de si mesma para lembrar de mim. Quem eu era, por que era, para onde ia... Nada daquilo tinha tanta importância como tem hoje. Ah, não pense que estou piegas, mas pense que estou me declarando da melhor forma que posso, por que a cada frase escrita eu misturo o que devo dizer.
           Eu sou uma mulher independente, forte, temida, habilidosa. Mas quem eu sou sem você é uma pergunta sem resposta. Um dia naquele país gelado dos vikings te vi envolta nas chamas que brilhavam no meio da floresta. Quem sabia o que eu deveria fazer? Mas ao penetrar no perigo, encontrei a santidade da minha alma. Minha consciência, meu despertar, minha razão mais lógica retornou a mim no momento em que te toquei de leve os lábios. E sabe o que? Nunca houve um beijo que eu quisesse mais. Nunca houve tanta incompreensão e amor dentro de mim, salvo outras vezes que tentei fazer isso. 
           Você sabe. Eu sei que sempre leu meus olhares, meus desejos e minhas dores. De vez em quando, em certas noites que não adormecia logo naquele período macabro das visões, grossas lágrimas rolavam do meu rosto em mudo desespero ao saber que era possível perde-la. Mas que fique claro: eu preferia mil vezes a mesma morte no crucifixo do que cruel, inimaginável, lacerante e indescritível dor de perdê-la. Só eu, Eli e aquele Deus do Amor sabem o que eu passei quando achei uma vez que estava morta. “A minha menina...”, eu pensava, “A minha doce menina...”. 
            Eu tive tantas experiências na vida, tantas dores, tantos sacrifícios, perdas... Mas todas as vezes que eu olho em seus olhos de viva bondade eu me desfaço, me reencontro e percebo que poderia enfrentar a maior dor do mundo enquanto tiver sua presença na minha vida. Ainda estou tentando compreender o rumo dos meus pensamentos. Nunca fui boa com as palavras... Mas se eu te mostrasse a verdade mal escrita do meu coração, porém verdadeira, você acreditaria em mim? Você acreditaria se eu dissesse que amo você? Mesmo como um demônio, tudo o que sinto jamais havia sido esquecido.
            Sinto-me, às vezes, como uma aberração da natureza. Como se a culpa da ruína alheia fosse toda minha. É só você pousar tua mão em meu coração e segurar-me como se eu fosse desfalecer que logo enxergo a força que não tenho; o poder que não possuo; a bondade que não é minha. Uma vez te disse que és a minha maior inspiração... 
            Vê agora? Eu sei que sorri – talvez mais do quanto estou inacreditavelmente exposta do que do que digo.
            Lembra quando nos separamos tragicamente por causa do doloroso episódio de Hope e Solan? Não me pergunte sobre a minha violência. Meus atos. Minhas agressões. Se você soubesse o quão mutilada eu estava... Achei que você havia me vetado da sua vida. E muito mais do que isso – queria também tirar de mim a convivência do meu filho. Questionei o porquê de duas dores. Meu filho. Você. Uma sucessão de erros, maus entendidos, minha descrença, a sua esperança. Eu me esqueci de lembrar quem éramos. E depois de termos relutado, tentado e nos degladiado, ah Gabrielle... Eu vi que era o teu nome a resposta da minha vida. Nunca mais quero que vá embora de nenhuma forma e jamais me deixe ir – sou mais frágil que você. 
            Sabia que quando dorme parece um anjo? Mas mesmo no céu, jamais vi um anjo, nem mesmo Miguel, tão poderosamente iluminado como você. Gostaria de ter um jeito de parecer menos ridícula do que agora – esses pontos molhados no pergaminho? Ah, por favor. São pingos de chuva. Só isso. Eu estou nos seus sonhos agora? Por que você está em meus pensamentos a todo instante... 
            Uma vez eu pensei que Lao Mar era uma mulher insana. E quando te conheci, percebi que eu era a idiota. O medo nos olhos dos outros nunca foi a fonte do meu poder. As armas que tenho, as técnicas de luta, a agilidade, minha inteligência... Nada disso é tão mais aproveitável quando passo um momento como esse, sentada na manta, com um olho no pergaminho e outro na sua santidade. Esse fogo não me aquece. Mas o que importa? Esse frio todo que vaza de mim é a minha melhor expressão – a necessidade que tenho de você.
            Volte a dormir... A sua tranquilidade me dá paz. Mas antes de finalizar, por favor, me acorde com o beijo que sempre quis ser acordada. E me abrace a cada derrota. Se eu chorar, segure meu rosto e obrigue-me a olhar para você, por que se não o fizer, não conseguirei me recuperar. A propósito, não vá embora Gabrielle. Fique sempre perto. Prometo que estou melhorando todos os dias... Eu prometo até escrever mais vezes, não sei... Mas andei lendo seus pergaminhos. Eu amo você. Respirei muito fundo, por que foi intenso... Queria que tivesse visto.                            

            Amanhã, por favor, não me olhe tão desacreditada. Só fique em silêncio que eu vou entender...
            Boa noite. Você me tem e sabe disso. 



Xena.




Texto dedicado à Luh.





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