"Hoje foi um dia e tanto...
Nem bem acordo e Perdicas já estava batendo em minha porta. Mamãe veio me chamar dizendo que ele tinha uma grande novidade pra mim. Engraçado... quando eu mais precisei, ele sumiu. Agora vem pra cá dar uma de apaixonado?
Eu falei isso na cara dele, aquele safado! Mas, ele realmente me trouxe a melhor notícia que eu poderia receber nos últimos tempos...
Ele me puxou e praticamente me arrastou pela rua, nem tomei meu café da manhã. Me levou até a casa de Nestor. Chegando lá eu perguntei se a intenção de Perdicas era me deixar mais triste e ele me disse que era o contrário. Então tá. Dei um voto de confiança à ele.
A casa de Nestor estava do mesmo jeito que ele havia deixado. Todos aqui tinham um enorme respeito por ele. Mas Perdicas, teimoso, foi fuçar nas coisas dele e encontrou algo incrível!
Entramos na casa e Perdicas me levou direto para o quarto. Ele arrastou um baú grande que Nestor tinha, que estava encostado na parede, e lá havia uma portinhola. Abrindo essa portinhola, havia um outro baú, menor, dentro de uma buraco construído dentro da parede. Nunca havia visto esse esconderijo, pois do outro lado da casa ficava a mesa da cozinha, encostada na parede, o que tapava a visão. Entendi que era aonde Nestor guardava suas coisas de mais valor, pois havia, além do pequeno baú, vários pergaminhos, dinares e até ouro. Fui logo questionando se Perdicas pretendia roubar aquele ouro, mas ele disse que não, que a razão por estarmos ali era nobre.
Ele pegou o baú e colocou em cima da cama, abrindo-o. Dentro havia um pergaminho, o qual Perdicas desenrolou e me entregou para que eu lesse. Dizia o seguinte:
'Eu, Nestor de Potédia, filho de Adalberon e Damiana, casal este que nasceu, viveu, viu esta comunidade crescer e se multiplicar, contribuiu com seus conhecimentos curandeiros aos doentes até o fim da vida, venho através deste pergaminho agradecer a todos os moradores de Potédia por todo o bem que me fizeram.
Além disso, quero dizer-lhes que fui acometido de um mal, um problema de saúde para o qual não encontrei cura. Como já estou velho, não terei muito tempo de vida. Como os deuses não me agraciaram com uma boa esposa e filhos, adotei a todo o povo de Potédia como meus filhos. Em especial, Gabrielle, filha de Herodoto e Hecuba, a quem deixo todos os pertences contidos nesse baú.
Gabrielle foi minha melhor aluna e é merecedora de tudo o que aprendi ao longo de minha vida. À ela deixo todos os meus pergaminhos e mapas, cujo conteúdo lhe ensinará ainda mais.
Guardo neste baú uma quantidade considerável de dinares para que Gabrielle possa estudar na Academia de Atenas e realizar seu grande sonho de se tornar uma barda reconhecida por toda a Grécia. Caso ela mude de idéia, pois nunca sabemos o que os jovens realmente querem da vida, peço para que use esse dinheiro no que melhor lhe aprouver.
Peço também para que o ouro e meu cavalo sejam usados para o bem de Potédia. Castilho, meu cavalo, ainda é jovem e pode ajudar puxando carroças. E o ouro servirá para que tenham sempre uma garantia de que ninguém nesse povoado passará fome ou qualquer outra necessidade. Deixo-o aos cuidados de Oton, meu fiel amigo.
Que os deuses estejam sempre com vocês.
Nestor.'
Com o pergaminho molhado por minhas lágrimas, abracei Perdicas, completamente emocionada. Ele também chorava, pois estava feliz por mim. Foi um momento tão bonito que nos beijamos. Foi a primeira vez em que fui beijada e beijei alguém. Perdicas me pediu em casamento e aceitei. Ele já falou com meus pais e agora somos noivos.
Ele me ama muito, posso sentir isso, mas eu acho que não sinto a mesma coisa. O beijo foi bom, não posso negar, mas não senti o que sempre ouvi dizer sobre beijos apaixonados. Dizem que o estômago fica parecendo estar com borboletas dentro, que as pernas ficam bambas, que o coração dispara, enfim, que saímos de nosso estado normal e parecemos flutuar, perdendo a noção de tempo e espaço. Mas... eu não senti nada disso.
Sinto muito carinho por Perdicas, mas não o amo. Farei de tudo para corresponder o amor que ele sente por mim. Que Afrodite me ajude!
Bom, ao saírmos da casa de Nestor, fomos até a casa de Perdicas para falar com Oton, seu pai. Meus pais logo souberam sobre a herança de Nestor pra mim. Meu pai tratou logo de interromper minha alegria, quer dizer, meia alegria, pois eu não queria que as coisas tivessem acontecido desse jeito. Mas fiquei feliz por saber que Nestor me considerava tanto. Então, meu pai disse que eu jamais iria para Atenas para entrar na Academia. E Perdicas, de certa forma, o apoiou. Ele disse que deveríamos nos casar primeiro para depois nos mudarmos para Atenas, mas eu não sou burra e logo percebi que isso não iria acontecer.
Perdicas quer é me comandar, como meu pai faz, isso sim, mas eu não vou respeitar isso, não mesmo. Guardei os dinares que Nestor deixou pra mim num lugar que só eu sei e, na primeira chance que eu tiver, irei para Atenas!
Em breve farei 15 anos e não deixarei esse sonho passar pela minha vida sem ao menos tentar realizá-lo!
Que os deuses aprovem minha decisão!"
por Math Pitbull