DECLARAÇÃO
Esta fanfiction foi feita apenas como mero entretenimento, não
querendo ferir direitos autorais. As personagens, Xena e Gabrielle, são marcas
registradas da MCA/Universal e Renaissance Pictures, Studios USA. Elas são
usadas aqui, sem intenção de infringir as leis de copyright.
CAPÍTULO 1
Abri os olhos e aquela parecia ser a mais fria das manhãs que eu
já vivera. O ar estava pesado, como se a vida tivesse parado ao meu redor. Meu
corpo parecia ter absorvido toda a chuva fria da madrugada, eu estava sem
forças para sustentar meu próprio peso; minha cabeça latejava. Um vento gelado
batia em meu rosto e açoitava meus negros cabelos, trazendo junto uma garoa que
fazia com que minhas lágrimas se misturassem à água. Não queria que alguém me
visse chorando. Sequei o rosto com as mãos.
Olhei em volta e vi o monte de escombros onde estava
precariamente abrigada. Quem sou eu? Minha cabeça parecia ter um sino badalando
lá dentro. Como minha vida tinha se tornado um oceano de sombras e névoas?
Percebi com terror que os tempos antigos tinham deixado minha memória. Quem sou
eu?
Encostei a cabeça em uma pedra úmida, o cheiro de terra molhada
se sentia no ar; a garoa fria cobriu com um manto brilhante a pobre vegetação
desse lugar. Onde estou? Ao fundo vejo uma tempestade distante escurecendo as
grandes montanhas.
Qual o meu nome? A única imagem nitidamente viva em minha mente
é um anel, e ao colocá-lo ter sentido repentinamente uma dor violenta
simultaneamente com um clarão cegante como o sol e em seguida uma imensa e
tenebrosa escuridão.
Não sei quem sou, onde estou ou como vim parar aqui. Tem vez que
mesmo durante meu desespero, sentia a presença de alguém, mas seu rosto estava
sempre coberto por uma névoa que não me permitia identificar quem era. Mas eu a
sentia, terna, doce…, aconchegante. Seria alguma sombra do meu passado ou mais
um fantasma dos meus delírios?
Senti que não estava só, apurei meus sentidos. Meu instinto me
dizia que tinha mais alguém nas ruínas. Meus músculos se retesaram prontos para
revidarem qualquer ataque. – Ataque? - Deuses, por que estava agindo desse
modo? Quando meus olhos se acostumaram com a escuridão do lugar, vi a silhueta
de um homem que também se abrigava da chuva fina e do vento gelado em outra
parte dos escombros.
Nuvens negras se acumulavam no céu. Um vento úmido de chuva
pesada levantava as folhas do chão, raios enormes se ramificavam como galhos e
trovões retumbantes e ecoavam pela planície. Não adiantava ficar ali me lamentando,
tinha que encontrar um lugar seco, roupas limpas e comida. Andei durante dois
dias numa viagem angustiante para chegar a uma pequena cidade, pelo caminho
esbarrei com raros aldeões, Eles me olhavam espantados e curiosos. O vento
gelado arrepiava meu corpo e penetrava na pele, e era tão dolorido quanto uma
flecha. Meu casaco de pele estava encharcado e minha roupa de couro molhada
também não me aquecia. Procurei imediatamente uma estalagem onde pudesse ficar.
Foi aí que tive certeza, pelas vestimentas dos homens, que estava em algum país
nórdico.
Ficaria para sempre presa nessa angustia de não lembrar nada
sobre mim? Eram tantas perguntas sem respostas que não tinha mais como
raciocinar.
Após me instalar adequadamente e apesar do cansaço, das dores e
do frio, desci de meu quarto e fui á taberna para me alimentar. Pedi uma bebida
enquanto esperava a comida.
Nas conversas ouvidas na taberna, soube que no dia seguinte
partiria um navio em direção a terras tão frias e desoladas quanto as
conhecidas pelo homem. Todos falavam alto e muitos já estavam embriagados.
Alguns estavam ali por negócios, outros buscando aventuras; foi então que
percebi um homem que estava sentado isolado dos demais, bebendo e me olhando
fixamente. De imediato algo instintivamente me colocou em estado de alerta,
senti meus músculos se enrijecerem, minha respiração alterar e meu corpo se
retesar. Ficamos nos observando durante alguns minutos, então ele levantou-se e
veio em minha direção. Meus punhos se fecharam, não sei por quê.
- Quero falar com você! – e foi se sentando no banco ao meu
lado.
Cravei meus olhos desconfiados nele, mas não senti qualquer
intimidação nele.
- Meu nome é Beowulf.
- Hamm, o meu é… – de repente me vi embaraçada, confusa, não
sabia meu nome; como demorei a responder e gaguejei, ele resolveu continuar a
conversa.
- Você não é daqui, posso ver pelo seu tipo físico e roupas. Vem
de onde? – Seus olhos se cravaram nas minhas coxas que apareciam pela abertura
do vestido.
- Você não se sentou aqui só para me desejar boas vindas, não é?
– Desconversei.
Ele ensaiou um sorriso. Tomou um gole de hidromel, pousou a
caneca no balcão.
- Estou embarcando amanhã e estou precisando de uma mulher para
servir de cozinheira no meu navio, você é forte… e será recompensada pelo serviço.
Quase engasguei com a bebida. Meu olhar de surpresa foi
imediatamente substituído pelo de desprezo. Olhei-o de cima a baixo. Meu
sangue ferveu, senti que meu olhar faiscava, tive ímpetos de agarrá-lo pelo
pescoço e jogá-lo por cima do balcão. – Porque eu estava tendo essa reação? –
Me controlei.
Senti que dessa vez ele tinha sido intimidado; por alguns
segundos perdeu a postura arrogante que mantinha até então, mas imediatamente
voltou a assumi-la.
- Obrigada, mas não estou interessada nesse emprego. Você está
indo para onde? – Perguntei.
- Eu como muitos outros aqui, estamos indo para ilha de Erin. –
Tomou um gole e continuou. - Conta uma lenda que bem no centro da ilha existe
uma clareira, onde uma jovem donzela que foi amaldiçoada dorme em sono profundo.
Dizem que é lindíssima e que só despertará desse encantamento quando sua alma
gêmea despertá-la com um beijo. – Tomou outro gole. – Dizem ainda, que ela é
guardiã de um tesouro riquíssimo.
Comecei a me interessar pela conversa. – Tesouro é?! Hum sei…, e
ninguém ainda conseguiu acordar a “donzela” é? – Ri.
- É, e pelo que se sabe alguns que tentaram acordá-la, morreram,
outros sofreram queimadura horríveis, deformantes.
- Queimaduras? – Me interessei mais ainda. – Como assim?
- Na área em volta dela existe uma cerca de chamas mágicas que
ninguém consegue apagar nem transpor. Quem tentou morreu queimado ou ficou
deformado.
- Ora isso é bobagem, não existe essa história de fogo mágico.
Vai ver que inventaram essa história para vocês se afastarem da ilha. – Tomei
um gole de bebida.
Beowulf se virou para olhar as mesas, como se procurasse alguém.
Correu os olhos pelo lugar até que encontrou quem procurava.
- Oslaff – berrou Beowulf. – Oslaff – repetiu, fazendo sinal
para um homem num canto de mesa. - Venha aqui.
Um homem alto, forte, de barba e cabelos ruivos, levantou-se e
veio em nossa direção. A princípio não notei nada de estranho no homem, pois o
lugar como era só iluminado por tochas, não permitia ver detalhes a distância.
Conforme ele foi se aproximando ficava cada vez mais visível que ele tinha
barba e cabelos apenas no lado esquerdo e uma deformação monstruosa em parte do
seu rosto e em todo braço direito. A carne era enrugada, seu lado direito do
rosto era repuxado, a pele parecia ter sido arrancada junto com o olho, sua
boca repuxada para cima, não fechava, deixando parte dos dentes e língua
expostos. O braço estava totalmente inutilizado pela deformação, a pele na
mesma situação do rosto era de uma tonalidade negra como se estivesse
gangrenada.
- Está vendo princesa…, - disse Beowulf - aqui está a prova do
que lhe disse, esse homem foi um dos que tentaram transpor a muralha de fogo.
Você chama isso de bobagem? – E continuou. – Esse homem era capitão da guarda
do rei Ragnar, da ilha da Bretanha, outro que morreu ao tentar passar pelo muro
de chamas, suas cinzas se espalharam por toda Erin.
Eu continuava chocada com a visão horripilante daquele homem
deformado, com a baba escorrendo pelo canto da boca que não fechava.
Inexplicavelmente surgiu uma névoa negra em minha mente, como se eu já tivesse
visto um quadro semelhante em outra época. Durou uns 2 segundos. O que está
acontecendo comigo? Balancei a cabeça como querendo afastar a névoa, que
desapareceu como surgiu.
- Você está bem? – Perguntou Beowulf – percebendo que eu estava
pálida. – E fez sinal para Oslaff voltar ao seu lugar. O homem obedeceu como um
cão.
Me voltei para o balcão, apoiando os cotovelos e pedi outra
bebida.
- Estou bem, é só cansaço. – murmurei.
Estou confusa e assustada com a imagem que tentou se
materializar em minha mente. O que foi aquilo? Estou aqui bebendo com um homem
que acabei de conhecer, sem saber quem sou, como vim parar nesse país…, minha
cabeça dói demais.
A conversa me causou um efeito estranho, a lenda martelava meu
cérebro, não sei o motivo, mas eu ansiava por conhecer a ilha, ver o tesouro e
mais ainda, a famosa “donzela”.
- Olha, você vai me desculpar mas estou muito cansada, vou me
recolher. Me virei e segui na direção da escada; tinha dado uns 3 passos,
quando me virei e disse para Beowulf.
- Amanhã pode contar com mais um tripulante no seu navio…, mas
arranje outro marinheiro para cozinhar está bem? Sou péssima cozinheira.
Rimos os dois.
- Eu acredito. – Berrou Beowulf.
Fui para o quarto, tirei o vestido e sentei na cama. Era um belo
vestido. O taberneiro, homem bondoso, tinha me emprestado o vestido que tinha
sido de sua mulher enquanto minha roupa secava. Era um jovem viúvo e tinha 3
filhos pequenos. Era um belo vestido branco com detalhes dourado-claro em toda
parte da frente até a altura do ventre, os bordados pareciam mudar de cor
devido à luminosidade, mangas compridas e na frente, em ambas as pernas, a saia
se abria, deixando aparecer minhas coxas quando caminhava. Confesso que agora
que o tinha tirado me senti mais a vontade. Minha vestimenta original estendida
na cadeira junto à lareira, ainda estava molhada. Olhei para minha roupa
secando e admito que me sentia bem mais a vontade quando estava com minha
vestimenta de guerra.
- VESTIMENTA DE GUERRA? Por que pensei nisso? – Continuei
olhando meu traje habitual todo em couro preto era parecida com uma roupa de
soldado, porém com modificações pessoais para lutar. Usava uma armadura no
peitoral que protegia meu busto, marchetada com detalhes. Peças sobrepostas
decoradas com tachas sobre minha saia curta de couro cobriam-me todo o ventre e
quadril. As botas também eram decoradas, mas muito bem feitas, tinham
amarrações na frente, de modo que ficavam comodamente justas, facilitando minha
movimentação. Os demais acessórios dos braços completavam o vestuário. Com isso
e contando com minha altura e postura, ficava com aspecto de uma grande e
invencível guerreira grega.
- GREGA? Porque grega? De onde saiu essa ideia? – Me surpreendi
falando em voz alta.
Embora minhas roupas estivessem ali completas, sentia que
faltava alguma coisa, algum complemento…, como se fosse alguma arma, alguma
coisa…, não sabia dizer o que era, mas sentia falta. Tentei me concentrar, me
esforçando para lembrar o que estaria faltando, mas era inútil meu esforço,
sempre esbarrava naquela escuridão sem fim. Me dei por vencida, vencida pelo
cansaço e as dores e me deitei.
Vi um cavalo de cor laranja vivo, de cauda e crina brancas,
patas musculosas, veloz e ágil, percorrendo as colinas verdes, saltando
obstáculos como se não existissem e o mais intrigante é que eu o montava,
éramos como um só, nossos movimentos eram totalmente sincronizados, como se não
existisse separação entre cavalo e amazona. Corríamos livres pelos campos, quando
avistei ao longe uma pessoa andando. Fui me aproximando a galope e comecei a
definir a silhueta de uma jovem de longos cabelos loiros, de estatura média,
delicada e andando apoiada em um cajado. Quando me emparelhei com a jovem, ela
virou seu rosto para me olhar e foi nesse momento que vi os olhos mais lindos
que os meus já encontraram. Eram profundos como uma esmeralda que mesmo
lapidada não perdera sua essência selvagem, mas de uma pureza encontrada apenas
nos Campos Elíseos.
Ela sorriu timidamente, mostrando os dentes perfeitos e brancos,
iluminando aquele rostinho doce, meigo e lindo. Sua pele clara parecia ser
macia como pétalas de rosa. Sorri, sem dizer nada me inclinei para segurar seu
braço e ajudá-la a subir na garupa. Ela acomodou-se na garupa, abraçou minha
cintura e murmurou no meu ouvido: “Eu sabia que você viria me buscar”.
Acordei de um pulo, com falta de ar, desnorteada, suava como se
estivesse junto ao fogo da lareira. Em desespero berrei.
- Ó deuses, vocês estão se vingando de alguma coisa que fiz não
é? Por que estão me castigando desse jeito? – Deitei novamente e senti as
lágrimas escorrerem pelo meu rosto e cada vez mais e mais, até o ponto de me
sacudir em soluços.
Não sei quanto tempo levei para me acalmar novamente e dormi com
a imagem daquela linda, doce e pequena criatura.
CAPÍTULO 2
O dia amanheceu com pesadas nuvens sobre o mar, um vento
estranho trazia uma desagradável sensação de vazio junto com a garoa gelada.
Até a água batendo nas pedras, parecia mais violenta que o de costume. Cheguei
no cais e vi Beowulf esfregando as mãos na tentativa de aquecê-las enquanto
berrava ordens aos homens que carregavam o drakkar. O ar condensava na frente
de seu nariz e boca com sua respiração. Animados e embalados por cantos e
histórias heroicas, os marinheiros invocavam a força dos deuses nórdicos para
saírem vitoriosos na sua jornada.
- Bom dia. – disse.
- Olá…, bom dia princesa. – Respondeu ele virando-se rapidamente
e me olhando surpreso.
- Que foi.
- Nada…, apenas não estava acreditando que você viria.
- Sempre cumpro o que falo. Além do mais, fiquei curiosa com
essa história do tesouro.
- Sua companhia será um prazer princesa.
- Por que você me chama de princesa?
Ele riu e olhou para mim. – Apesar de serem visíveis seus
músculos rígidos de uma guerreira, seu porte, sua beleza e elegância são de uma
princesa. Uma princesa guerreira. – Riu.
Meu humor não estava dos melhores. Apesar de me sentir
lisonjeada com os elogios, não tive ânimo para demonstrar nada. Continuei
calada observando os marinheiros carregarem o navio.
- Quem dera que eu realmente fosse uma guerreira. – Falei
comigo.
Partimos. O frio arrepiava o corpo e penetrava na pele
dolorosamente. A neblina dificultava a visão de qualquer sombra de terra. Da
proa do navio Beowulf e outro marinheiro tentavam enxergar algum sinal de
terra. Resolvi entrar para me aquecer melhor. Logo que entrei tirei o capuz de
pele que escondia meu rosto. Os homens ficaram surpresos, alguns se levantaram
e cada um se esticava mais que o outro para melhor me observarem. Beowulf
entrou logo em seguida. Além de meu agasalho de pele, Beowulf
cobriu meu corpo com uma grossa manta de lã para tentar amenizar o frio que
cortava minha pele.
Ele percebeu a agitação dos homens, afinal nem sempre tinham a
chance de viajar com uma mulher no navio. Imediatamente tratou de acalmar a
euforia que se instalou. Aos gritos impôs sua liderança, empurrando um e outro
marinheiro até que tudo voltasse ao normal.
Voltando para junto de mim, inexplicavelmente Beowulf tentou me
esbofetear; ação que instintivamente rechacei com uma rapidez que surpreendeu
até a mim mesma. Com o punho cerrado apertando a mão dele, os olhos faiscando
de raiva e os dentes cerrados, perguntei:
- O que pensa que está fazendo seu cretino?
Ele demonstrava estar sentindo dor, mas não fez qualquer reação
para se soltar.
- Estou apenas mostrando que você é uma guerreira, os seus
reflexos são de uma guerreira e não estão nada adormecidos.
Soltei sua mão. Ele me entregou uma espada e um objeto que
parecia um disco de metal liso e achatado, de borda afiada e em toda sua
superfície tinha um desenho entalhado.
- Isso lhe pertence…, você os deixou nos escombros onde você se
abrigou…, princesa…, guerreira. – E riu.
- Mas co…, como você… – gaguejei. - Eu estava atônita.
Quando ele ia começar a falar, o marinheiro que estava na proa
entrou esbaforido e congelado. Gritando que já se via terra. Todos correram
para a proa, mas somente olhos treinados com anos de vida no mar conseguiam ver
a linha escura de terra em meio à neblina. Beowulf inspirou o ar gelado e
começou a encorajar os companheiros, investindo em sua coragem e audácia para
atingir seus objetivos.
O drakkar começou a sair da neblina e aportou na praia. Os
homens pularam na água, correram para a areia fofa e iniciaram a subida
apressada por entre as pedras.
- E então princesa, não vai nos acompanhar? – Disse Beowulf,
saltando do navio, já bem próximo da praia. A água estava na altura de
sua cintura.
Por alguns instantes fiquei indecisa, mas uma força me instigava
a acompanhá-los, era uma sensação imensamente poderosa sobre meus sentidos. Meu
sangue começou a fervilhar nas veias, minhas têmporas latejavam, meus músculos
se enrijeceram, meus sentidos estavam em estado de alerta, não tinha mais
controle sobre meu raciocínio, apenas o instinto falava por mim.
- Vamos lá. – Falei saltando do barco, que já se encontrava
quase encalhado na areia.
Os homens já estavam bem adiantados na subida e alguns já
estavam se embrenhando pela ilha. A manta e o agasalho me atrapalhavam subir e
correr junto deles. Joguei a manta no chão, o que aliviou muito o peso de meus
ombros. Peguei mais velocidade e comecei a ultrapassar alguns homens. De
repente me vi disparando por entre os arbustos, pulando pedras, saltando
troncos caídos, correndo desenfreadamente como se quisesse salvar alguém da
morte. Meu coração parecia que ia explodir. Eu estava excitada como sempre
ficava antes de uma batalha. Ao mesmo tempo em que corria, sentia a confusão de
emoções dentro de mim.
Quer dizer então que sou uma guerreira. – Pensava enquanto
corria. Mas quem sou eu? De repente como uma explosão veio a minha mente o
rosto daquela jovem loirinha do meu sonho. Parecia que eu estava correndo na
velocidade do Argo… ARGO, pelos deuses…, sim é esse o nome do cavalo que
montava no meu sonho. É o meu cavalo. – Gritei dentro de mim. Não sei qual a
distância que percorri, nem o tempo que levei, lembro apenas que de repente me
deparei com a tal clareira no centro da ilha. Parei como se tivesse batido numa
rocha. Ali estava ela…, a donzela cercada por uma muralha de fogo.
Os homens iam chegando aos poucos ofegantes e suados. Eu também
estava ofegante e suada. Tirei o casaco. A visão daquela jovem dormindo
calmamente dentro daquele círculo de fogo, me deixou extasiada, não conseguia
sentir o cansaço do esforço, minhas pernas tremiam, minha respiração quase
parou, não sentia mais frio, não sentia mais a angústia e o desespero me
consumindo.
Os homens foram se aproximando de mim, entre eles Beowulf. Todos
ofegantes. Eu não conseguia desviar o olhar das chamas. Elas eram de uma
coloração diferente do que já tinha visto; mesclavam entre o amarelo vivo,
laranja, azul e rápidos tons avermelhados. As labaredas subiam a uma altura
intransponível para qualquer mortal e o mais estranho é que as chamas não
faziam fumaça, o céu era límpido.
Um dos homens falou me tirando do torpor.
- E agora o que vamos fazer? Quem vai ser o primeiro?
Um deles mais afoito, foi na mata que cercava a clareira e
trouxe uma vara muito longa que parecia bem resistente, tomou distância, pegou
carreira e com o apoio da vara tentou ultrapassar as chamas por cima. Seu corpo
foi incinerado imediatamente quando entrou em contato com o fogo, em questão de
pouquíssimos minutos só restavam cinzas do pobre coitado.
Todos ficaram parados horrorizados. Outro homem pegou várias
mantas dos companheiros e se embrulhou nelas, procurou se enrolar o mais seguro
possível, pernas, braços, peitoral, quadril e cabeça. Tomou distância e se
jogou dentro das labaredas. As mantas de pele não resistiram ao calor do fogo e
se incendiaram instantaneamente. O pobre homem gritava se debatendo e
agonizando no chão dentro do círculo. Um homem tentou tirá-lo do círculo, ao
introduzir o braço para puxá-lo, teve o braço carbonizado. Urrava em agonia.
Beowulf também tentou ajudar e teve sérias queimaduras no braço e mão esquerda.
Vários homens começaram a jogar terra que se acumulava no chão,
mas todo o esforço se mostrava em vão, nada apagava aquelas malditas chamas
mágicas.
Todos nós olhávamos incrédulos e horrorizados. Pelos deuses…,
ninguém mais seria louco de tentar entrar ali. – Pensei. - Não tinha dúvida que
a donzela iria continuar dormindo por mais alguns milênios. Os homens começaram
a retornar ao navio decepcionados com o fracasso da missão levando os feridos
para serem tratados. Eu continuava hipnotizada pelas chamas que se refletiam em
meus olhos. Beowulf me sacudiu pelo braço, me fazendo voltar de meu
entorpecimento. Eu já estava começando a me virar para retornar ao navio,
quando ouvi nitidamente uma voz suave, terna dizer um nome que não consegui
entender. Me voltei assustada, por alguns segundos olhei na direção do fogo.
Beowulf também parou e se voltou para mim. – O que foi princesa?
- Ah…, nada não, estou delirando…, escutando fantasmas, vamos
embora daqui, não tem mais nada que possamos faz…
A voz falou novamente mais doce e claramente possível.
- Xena…
Estremeci sentindo um arrepio em todo meu corpo, essa voz eu
conhecia, mas de quem era? Esse som melodioso era de alguém do meu passado sem
dúvida, mas de onde vinha? – Será que…? Não, não pode ser, estou ficando louca
mesmo.
- Xena… – A voz repetiu suplicante. – Não me deixe aqui.
Meu corpo todo estremeceu, quem era essa Xena? Será que…, que
sou eu? Xena…, era esse o meu nome?
- Xena… A voz repetiu doce, suplicante, irresistível.
Retornei e caminhei vacilante em direção das chamas.
Beowulf me segurou fortemente pelo braço.
- Pense bem o que vai fazer. Você pode morrer! – Berrava.
- Me solta… – reagi. – Ela está me chamando, você não ouviu?
As labaredas me chamavam, me atraiam, me hipnotizavam. – Ainda
agarrado ao meu braço Beowulf insistia em me puxar para longe das chamas.
- Preste atenção. – Beowulf berrava desesperado. – Acredito que
existe um laço muito forte entre vocês, mas …
- Xena…
- Me solta seu idiota. – Não quis ouvir mais nada. De um
solavanco me soltei de sua mão, corri para as chamas enquanto ouvia novamente a
doce e terna voz chamar por mim.
- Xena…
Com um salto e uma cambalhota em pleno ar pulei para dentro do
circulo de fogo. Foi como se o tempo estivesse parando. Via rostos conhecidos,
cenas de batalhas, minha casa, minha infância, reis, imperadores, guerreiras
amazonas, palácios…, muitas lembranças passando assustadoramente rápidas a
frente dos meus olhos.
Sentia as chamas envolvendo meu corpo, mas elas não me
queimavam, não ardiam, não me causavam nenhuma dor. Havia ultrapassado o
círculo de fogo ilesa. Aparei minha queda com nova cambalhota e lá estava eu,
de pé frente à donzela. Fiquei estarrecida. Meu assombro não permitiu me mover
por alguns longos segundos. A jovem donzela estava num tipo de altar, com o
corpo parcialmente coberto por algumas raízes, galhos e folhas secas, mas nada
que impedisse de ver a beleza da jovem, seu cabelo loiro, sua pele branca;
usava um vestido branco com detalhes bordados no decote. Me aproximei mais,
tirei o disco que prendia na minha cintura e cortei os galhos e raízes que
ocultavam parcialmente aquele corpo frágil e maravilhoso. Tinha uma guirlanda
de flores brancas na cabeça, que fazia realçar ainda mais suas feições
perfeitas e delicadas. Limpei as poucas folhas que estavam sobre ela e embora a
fisionomia me fosse muito familiar e querida, uma névoa permanecia em minha
cabeça. Aquele rosto tão encantadoramente lindo e sereno me fez sentir coisas
que não sei explicar…, uma mistura de carinho, amor, desejo, proteção,
aconchego. Lentamente me aproximei e atraída por uma força inexplicável beijei
suavemente seus lábios. Não tenho como descrever a sensação que me invadiu
naquele contato de nossas bocas. Tudo a nossa volta girava, sentia meu sangue
ferver, meu corpo todo tremia, um arrepio correu por toda minha pele, meu
coração parecia que ia sair do peito, minha respiração estava acelerada, foi
quando ela abriu os lindos olhos verdes esmeralda e sorriu delicadamente para
mim. Um sorriso doce como nunca tinha visto igual.
- Xena… – Disse sorrindo. – eu sabia que você viria me buscar…
Ajudei-a a sentar-se. - Mantive os olhos presos naquela
maravilhosa criatura, acariciei seus cabelos, seu rosto, beijei suavemente as
palmas de suas mãos. Ela segurou uma das minhas mãos e retirou do meu dedo o
anel que usava até então. Uma claridade indescritível explodiu dentro da minha
cabeça, como uma descarga de um raio. Tudo voltou a minha mente.
- Gabrielle…., Gabrielle, meu amor. – Murmurei.
Ela pulou com os braços envolvendo meu pescoço, me curvei e a
abracei com força, com desejo, com amor. Era ela…, agora eu lembrava, a névoa
se dissipou…. Levantei seu rosto e a beijei novamente, dessa vez com mais
paixão. Senti o desejo brotando dentro de mim, mais do que nunca queria tê-la
em meus braços, na minha cama, sentir sua pele nua e quente sob a minha, mas
isso podia esperar um pouco mais.
Essa era a jovem do meu sonho, esse era o meu maior tesouro, era
a presença que eu sentia, a minha alma gêmea, minha Gabrielle, minha vida, meu
amor. Jurei naquele instante, com seu corpo quente, pequeno e macio colado ao
meu que nada, nem ninguém jamais nos separariam novamente.
Rimos fortemente abraçadas, sentido nossos corações baterem
firmes. Afastei-a ligeiramente do meu peito, e segurando seu delicado queixo,
disse. – Vamos meu amor, temos que devolver esse anel…, esse maldito anel ao
seu verdadeiro dono.
O círculo de fogo já não existia mais, peguei meu casaco e
protegi aquela doce criatura que era minha razão de viver e seguimos abraçadas
de volta para o navio.
FIM
Autora: Alba Diniz