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FanFic - I'll Never Leave You - Capítulo II


por Caroline Pessoa


Capitulo I - Aqui







          - Eu preciso que você o mande de volta para o mundo dos vivos – disse a voz masculina imponente. Aquele homem cheirava a guerra. 
          - E por que eu faria isso? – Respondeu a outra voz masculina em um tom profundo de grave melancólico. – Do meu reino ninguém sai a não ser que a minha vontade ordene. Além do mais, temos regras. 
          - Pense bem – tentou persuadir o primeiro – se você libertá-lo ele conquistará muitos impérios e fará muitas guerras. Sairemos ganhando tanto eu quanto você, meu caro. Haverá muitas mortes e muitas batalhas... 
          O homem sombrio vestido com um grosso manto negro e tão pálido quanto à figura da morte estava pensativo. 
          - Hum... Mas eu já tenho o controle de mortos em meu reino. Seria um caos se ele voltasse. Uma vez descido ao submundo, o homem muda completamente sua psique. É um risco. 
          O homem coçou o cavanhaque negro. 
          - Ora, vamos... Já lhe prestei favores... 
          - Isso é um capricho seu – disse firme o homem espectral. 
          - Dou-lhe a minha palavra de que se algo sair da ordem natural, eu mesmo o destruo. 
          A figura fantasmagórica suspirou pesado. 
          - E quanto à mulher guerreira? – Desafiou – Você também irá destruí-la se ela enlouquecer? 
          O homem pareceu oscilar o olhar, como se tivesse sido pego de surpresa. 
          - Eu cuido dela pessoalmente – disse a última palavra em tom grave. – Não temos nada a perder... 
          - Não entendo o seu desejo por essa humana. – Disparou o enorme fantasma. - Mas em respeito aos favores que já me concedeu em outras eras, o máximo que posso fazer por você é conceder o tempo de vida a ele necessário para o seu plano. Tome – ele entregou uma ampulheta ao outro – isso é para você marcar o tempo. A propósito, as coisas por aqui têm ficado monótonas. Costumava acordar com mais gritos. – O homem pálido pensou por uns instantes - O trarei de volta, mas como um humano e sem nenhuma condição especial para isso. 
           - Vossa Majestade do Submundo não irá arrepender-se, garanto. – Disse a voz grave e imponente com um sorriso malicioso nos lábios. 
           O hálito gélido da madrugada enrijecia as plantas e os ossos de qualquer mortal. A penumbra ainda deitava-se pela terra, nenhum animal ousava vagar, nenhuma folha mexia. Apenas o vento assobiava agourentamente, como se estivesse trazendo avisos. O vulto da morte dançava nas encruzilhadas a busca de almas humanas. Enquanto isso, a natureza regurgitava o pó que transformara outrora um homem em nada. Da vida à morte à vida. 
           Em alguma região da Roma, Júlio César estava de pé respirando a longos haustos o ar cortante e frio do mundo dos vivos. Ele olhava o próprio corpo e tocava-se para ter a certeza de que estava vivo. Sentiu vários aromas. Sentiu o cheiro do mato, das árvores, de oliveira, madeira, terra, água e ferro. Aproximou-se de uma macieira e tirou uma maçã grande e vermelha. Deu uma generosa mordida sentindo o sabor doce da fruta. Mastigou lentamente aproveitando a textura esponjosa e macia da maçã, em seguida, olhou em volta e viu o azul do céu inspirando profundamente o poder dentro de si mesmo. 
           - Eu me adoro – foram as primeiras palavras proferidas depois que voltara do inferno particular. – Eu, Caio Júlio César, imperador de Roma, estou de volta. – Soltou uma gargalhada ao perceber que estava vivo novamente. 
           Mas outra risada grave encheu o ar, sufocando a dele. 
           - César – disse o sussurro de uma voz invisível – você tem uma tarefa aqui. Esse é o motivo pelo qual está de volta. – O encapuzado estava a centímetros do ouvido de César – Temos uma amiga em comum que você odeia mais do que a idéia de morrer e que eu a adoro, só não mais do que a mim mesmo. 
           César virou-se e encontrou a figura, abrindo um maligno sorriso ao reconhecer aquela fisionomia e a hostilidade que emanava dele. 
           - Ora, ora... – ele analisou o deus da guerra andando à sua volta – Se não é Ares, a lenda... O deus... Que seja, da guerra. 
           Ares encarou-o duramente. 
           - Ouça, você tem uma importante missão. Se falhar – ele chegou mais perto – os cães de Hades estarão a sua espera. 
           César devolveu o olhar arrogante. 
           - Um líder jamais teme diante da morte. Nem diante da guerra. 
           Ares colocou a mão na cintura e tombou a cabeça para traz rindo satisfeito. 
           - É por isso que eu o escolhi. Um, por que a nossa amiga mal consegue ouvir seu nome sem lembrar de suas marcas nela. Dois, tem um senso de comando que eu aprecio... – coçou o cavanhaque – Mas não estamos aqui para falar de trivialidades. Você recebeu uma segunda chance de vida que mortal nenhum jamais conseguiu, mas é claro que precisa... 
           - Destruir Xena. – César o interrompeu. – Eu já sei – disse entediado. – Não brinque com a minha inteligência Ares. Vamos logo ao ponto principal desta conversa. 
           A figura musculosa e encapuzada cruzou os braços avaliando o homem mais baixo e moreno. 
           - Sei que não é como os outros homens. Conhece o próprio destino... – ele analisou César – Se você obtiver êxito, não voltará para o mundo dos mortos. Poderá ficar e governar por mais um tempo. O que me diz? 
           - É uma proposta tentadora, meu caro. – César olhou-o nos olhos – De quanto tempo estamos falando? 
          Ares sorriu torto. 
           - Primeiro o primeiro. – Ele deu as costas a César – Precisa pedir a minha ajuda e lhe contarei o plano. 
          César levantou uma sobrancelha de contradição. 
           - Mas como...? 
           - Burocracia – respirou fundo. – Agora vamos, ajoelhe-se e ande logo com isso. Não temos o dia todo. 
          César pareceu oscilar. Rosnou e analisou Ares por uns instantes até que ajoelhou. 
           - Eu quero a sua ajuda – disse entre dentes. 
          Ares sorriu. 
           - Como? – Se deliciou por ver o grande conquistador Julio César de joelhos pedindo-lhe ajuda – Não ouvi. 
          O homem apertou o punho. 
           - Eu, César, quero a sua ajuda – franziu o cenho – Oh todo poderoso Ares, deus da guerra – disse em tom sarcástico. 
           - Assim está melhor – disse debochadamente enquanto César levanta-se limpando os joelhos e as canelas da terra. – Agora temos uma sociedade: eu o trouxe de volta e você me deve um favor. Seu êxito o levará a glória. Caso falhe, o mandarei de volta para o meu velho amigo. 
           Ares torceu as mãos e discorreu todo o seu plano a César que ouvia atentamente cada palavra maquinando suas ações de controle, seu reaparecimento das cinzas, a glória, todo o poder e a doce oportunidade de moer a alma de Xena. 
           - Dividir e conquistar. Essa é a chave da vitória. Separe o povo e você terá rebanhos para controlar – César sorriu deliciado. - Caro... sócio – ele frisou a última palavra com desdém e colocou as mãos para trás desenhando com o pé a figura de um castelo na terra – está claro que não posso aparecer assim, sem mais nem menos e desarmado. 
           - Quanto a isso não tenha dúvidas. – Ares entregou a César uma espada com a lâmina perfeitamente lisa e lustrosa; o cabo tinha pedras preciosas encrustadas, além de um visível “H” gravado na prata. 
           Ele a levantou apontando-a para o pescoço de César que não se moveu um centímetro nem desviou o olhar. 
           – Essa espada te dará o poder e o terror necessário para que tome o seu título e realize o combinado. Essa raridade forjada por Hefesto transforma qualquer coisa em cinza com um corte. Você pode controlá-la de acordo com sua vontade, é uma arma mágica muito poderosa. Isso dará a impressão de que não é humano. Contudo, muito mais do que a arma você sabe o que fazer com as palavras... 
           - Dividir e conquistar – disse César empunhando a espada. – Primeiro o poder da palavra, depois o poder sobre os corpos. Só me responda uma coisa... 
           Ares encarou-o. 
           - Por que mover céus e terras por uma mulher que eu já capturei e crucifiquei? – César questionou intrigado. 
           - Por que ela sobreviveu – Ares disse no ouvido de César que engoliu em seco. 
           - Agora vamos - Ares levou César até as imediações do palácio de Roma - Lembre-se: entre os homens, você é um deus. – Ao dizer isso, sumiu. 
           Ele marchou até o palácio. Era alto, moreno, de expressão vazia, olhos opacos e negros. Com seus passos de imperador recém-chegado, pisou a grama e a terra como se fossem colocados ali para ele passar. Apertou sua espada enchendo o peito de ar e palavras. 
           - Quem é que vem ali? – Um soldado magricela e sonolento apertou os olhos para tentar enxergar a figura que andava decidida. 
            Ele fez um gesto com a mão e os soldados da entrada já estavam em alerta, empunhando suas azagaias. 
           - Alto! – Disse o da esquerda. - Identifique-se! 
            César abrira um pálido sorriso de deleite. 
           - Perguntas... Quem sou? – Andou para mais perto. O soldado fez menção de atacá-lo, mas César não se moveu. 
           Ele pegou a espada que Ares lhe entregara e enterrou-a em uma pedra, sem que se transformasse em cinza. Ao perceber sorriu no canto da boca. 
           – Retire-a. Somente o homem destinado a governar Roma será capaz de puxar esta espada – ele olhou as expressões confusas dos soldados. 
           Os guardas entreolharam-se gargalhando do homem que estava a sua frente. 
           - É só um bêbado idiota – gritou o soldado da esquerda. – Ora vamos, vá para casa antes que seja preso por desafiar a autoridade do nosso imperador. – Ameaçou. 
           César cruzou os braços pretensiosamente erguendo uma sobrancelha. 
           - Oh, um bêbado você disse? – Ele andou uns centímetros – Em muito breve verão que os velhos costumes estarão bem diante de vossos narizes. Lembrarei-me de melhorar a proteção – disse para si mesmo. - Deixarei que crave esta espada bem no meio do meu peito se algum homem aqui for capaz de retirar a espada da pedra. 
           Esfregando as mãos, o soldado sorrindo debochadamente aproximou-se da espada fincada na pedra e puxou-a. Mas nada se moveu. Tentou novamente com mais força e não mexeu um centímetro. Examinou-a para ver se não era um truque, mas não havia algo que pudesse indicar qualquer falcatrua. O soldado subiu na pedra e puxou com tanta força que suas mãos arderam e seu rosto ficou vermelho. 
           - Próximo... – indicou César o outro homem de olhos esbugalhados que assistia as tentativas frustradas do companheiro. 
           Ele aproximou-se e amarrou uma tira de pano nas mãos, enquanto o outro esfregava as palmas para diminuir a ardência. Tentou e tentou por vários minutos, quando se deu por vencido. Estava suando como um porco. 
           César deu um risinho de prazer. Aproximou-se da pedra agarrando o punho da espada. Retirou-a sem o mínimo de esforço. A espada era brilhante e tinha uma aura que tornava o seu possuidor uma figura quase irreal. 
           - Fui o maior conquistador de Roma e, no entanto, me esqueceram. Fiz história, levantei monumentos, destruí nações, ergui o poder. Meu nome infligia medo no homem mais bravo. E ainda sim, meus súditos esquecem quem fui, quem sou... 
           Os dois expectadores olhavam esbugalhadamente para ele. César brandiu a arma e atacou o homem da esquerda que tentou defender-se. Quando ele tocou a espada com a azagaia, virou cinza quase que instantaneamente. 
           - O que é mais poderoso? – Olhou para o outro – As palavras ou uma arma? – Ele contemplava a espada. 
           - Quem é você? – Perguntou o soldado limpando o suor que empapava o rosto e o pescoço. 
           - Logo, logo terá a sua resposta, mas antes me responda: quem tem mais poder são palavras ou armas? 
          O homem temeroso por sua vida achou melhor responder a estranha pergunta. 
           - Eu não sei senhor. Uma arma? 
           César aproximou-se do guarda e sussurrou em seu ouvido. 
           - As minhas palavras podem salvar a sua vida e lhe dar um novo código para seguir. – Ele se distanciou do homem e olhou-o nos olhos – Reúna o máximo de homens possíveis e me encontrem no estábulo. Diga-lhes que César está de volta, se não acreditarem relate o que viu aqui. 
           O soldado empalidecido abriu a boca para falar, mas fechou. Trêmulo fez uma tentativa quase inaudível. 
           - César? O senhor diz ser o grande Julio César? – Disse num fio de voz. 
           - Quem mais poderia ter voltado do mundo dos mortos destinado a governar Roma não mais como um mortal e sim como um deus? – Estufou o peito – Agora vá. E me traga uma armadura e sandálias romanas. 
           César rodeou os muros do palácio até encontrar uma passagem secreta antiga. Entrou e sorriu. Ele marchou para um galpão construído por imensos blocos de pedra, com cochos e pequenos quartos cheios de feno. Haviam apenas alguns homens trabalhando no estábulo. César aproximou-se deles sem cerimônia. 
           - Senhores – disse calmo – Tenho um comunicado importante. 
           Os soldados puxaram suas espadas por puro reflexo. 
           - Quem é você? – Disse um deles. 
           - Não me reconhecem? – Ele sorriu – Os guardiões do meu palácio também não me reconheceram. 
           Os soldados ficaram intrigados, mas não abaixaram as armas. 
           - Sou teu imperador. Caio Julio César lhe diz algo? – Apontou para si mesmo. 
           Os soldados soltaram uma longa gargalhada e César os acompanhou. 
           - Você dá conta dele por mim? Eu estou muito atarefado... – um dos soldados apontou desdenhosamente com a cabeça para César. 
           - É claro. – O soldado de cabelos pretos e oleosos sacou a espada e atacou César. Para defender-se apenas empunhou a espada bloqueando o ataque do outro. 
           - Mas o que é isso, por Zeus? – O soldado que ordenou o ataque ficou lívido, por que seu colega acabara de virar cinzas. 
           - Como eu dizia... – César falou calma e cinicamente – Tenho um comunicado importante a fazer. 
          Os soldados não resistiram ou riram ou disseram algo. Estavam petrificados. 
           - Eu quero que vocês se reúnam com o resto do pequeno número de soldados que mandei trazer até aqui. 
           - Ninguém acreditará senhor – disse um deles. 
           - Mas pagarão para ver. Encontrem-se com eles e reforcem o que viram aqui. Dispensados. 
          Ao saírem, César andou para lá e para cá observando tudo a sua volta enquanto maquinava seus planos de conquista a destruição de Otávio e posteriormente, Xena. Sorriu ao pensar no plano de tortura e assassinato de sua amiga. 
           - Dividir e conquistar. 
          A madrugada se desvanecia tristemente. As nuvens negras não se desfizeram, tapando quase toda luz do sol. O céu ia clareando devagar, mas o tom de penumbra não se desfazia e o silêncio guardava um segredo no ar. 
          A figura discursava para um pequeno público apavorado de trinta soldados que não acreditavam no que viam. 
           - O destino de todo grande homem é governar. Não há como impedir alguém que nasceu para a glória e o grande dever de tomar as rédeas do mundo. Vejam – tocou-se – quem de vocês atrever-se-ia a dizer que eu não existo? Quem de vocês se atreveria a dizer que eu não sou deus, depois de verem o meu poder em ação? – Ninguém se movia. – Eu, Cesar, sou um acontecimento na vida de Roma. 
           Eles entreolharam-se. 
           - Senhor, nós não conhecíamos a aparência do grande César. O senhor fala como um nobre, tem postura de político e uma arma estranha. Como poderemos ter a certeza de que é quem diz ser apenas por sua palavra? – Disse o soldado encostado em um dos pilares, ele era mais alto e mais musculoso do que o restante. 
           - A palavra de um homem é a chave de sua honra. Quebre-a e terá um homem sem valor. – César suspirou. – Qualquer soldado daqui conhece as histórias das minhas conquistas. Mas alguém aqui sabe como Crasso morreu? 
           - Sim senhor. Ele morreu corajosamente em batalha – respondeu o soldado robusto. 
           César dera um sorrisinho de pretensão. 
           - Penso que os senhores conhecem ou já ouviram falar de certa mulher guerreira lendária por suas conquistas e sua força. Seu nome é Xena – a maioria dos homens balançou a cabeça afirmativamente. – Crasso não morreu em batalha, ele foi capturado pelos sírios que tentávamos conquistar. Na época também estávamos em batalha para tomar a Gália e capturar um guerreiro lendário chamado Vercinix. Iríamos decapitá-lo na arena do Coliseu. Xena astuciosamente resgatou Crasso com a ajuda de sua inseparável amiga Gabrielle – ele dizia desdenhosamente. – Capturei Xena e ela arquitetou com sua fiel escudeira que levasse Crasso até Roma embaixo do meu nariz. Assim foi feito, por que homem nenhum conhecia o rosto dele. Mas é claro que ainda me diverti ao ver Xena ser golpeada por dois de meus melhores gladiadores. Ao voltar para a cela em que estava presa, Xena astuciosamente conseguiu sair da prisão e trocar Crasso por Vercinix. E então, senhores, assim que Crasso chegou à arena, fiquei chocado. Mas não pude voltar atrás em minha palavra e eu mesmo mandei executar Crasso para que milhares de pessoas vissem. É a minha política: o povo quer e eu darei ao povo. 
            Os homens pareciam estar confusos. A montanha musculosa silenciou. 
            - E sim. Sim, claro que fiquei imortalizado como aquele que derrotou o grandioso Vercinix. – César levantou uma sobrancelha de pretensão. Observou os soldados que ainda pareciam duvidar. 
            Ele respirou fundo e dramaticamente. Despiu-se e colocou de lado sua arma para mostrar as cicatrizes das facadas. 
            - Vejam – apontou para o corpo – esta daqui foi obra do meu nobre camarada Bruto. O homem da minha confiança. Meu melhor amigo. E as dos outros cúmplices de minha morte. 
            Os soldados não emitiam nenhum som. 
            - Vocês sabem o que acontece aos condenados ao submundo? – Pisou nas cinzas do soldado - Só havia dor. Sofrimento. Escuridão. Eu fui tragado por almas dentro do imenso rio Aqueronte. Fui sugado pelas águas imundas e a asquerosidade das caveiras, dos homens e mulheres deformados. O horror daquele lugar é de arrepiar qualquer humano. Ao sair de lá, fui agrilhoado às grossas correntes e fadado a caminhar com trapos sujos. Tive fome, frio e sede... Bebi lama, comi terra. Fui açoitado por seres monstruosos, assombrado por fúrias. – César parou um instante para fitar o nada – Meu corpo era cortado em pedaços e jogado no mar de sangue. Eu me regenerava e nadava até conseguir pisar em algo firme, mas tudo começava novamente quando eu caía de cansaço na lama fétida... 
           César deu uma risada sombria. 
            – Ordo ab chao ¹. Os deuses me viram no meio de todo o caos. Não permitiram que eu vivesse mais tempo naquele lugar. Eles não queriam que meu potencial fosse perdido. Viram a minha importância para a poderosa Roma. E aqui estou – subiu em um batente. – Se vocês irão seguir-me, digam-me agora! 
           Os soldados que estavam ali temeram o que viam a sua frente. Sem sombra de dúvidas aquele só podia ser o homem que voltara das profundezas do mundo dos mortos. Não lhes restava dúvidas sobre o que César havia lhes contado – a morte de Crasso, as cicatrizes de uma vida passada, a descrição do sofrimento no mundo dos mortos e, finalmente, aquela estranha e poderosa espada que reduzia à cinzas qualquer um que por ela fosse cortado. A única escolha que tinham era aceitar segui-lo ou sofrer as consequências divinas. César já não era apenas César quando retornou do suplício eterno por obra divina. Contestá-lo significaria desperdiçar vidas. 
            -SIM! 
            Urraram em resposta. Aquele “sim” transcendia mais medo que o desejo de guerrear. 
            - Você, - apontou para o homem encostado no pilar – venha aqui. 
            O homem alto e musculoso aproximou-se e o olhou por cima. 
            - Como se chama? – César não se intimidou com o tamanho dele. 
            - Ceo – respondeu o homem moreno receoso. 
            -Ceo? Bom nome. Ceo era um titã, assim como você. – Chegou mais perto e segredou-lhe - E como os titãs você tem a força para ser o meu general de confiança? 
            - Sim meu senhor – Ceo ajoelhara-se tentando esconder o medo que lhe influenciara a responder. 
            - Boa escolha, meu rapaz – César disse orgulhoso de si mesmo. – Temos trinta soldados – alteou a voz para chamar a atenção dos homens. - Agora prestem atenção na primeira tarefa que irão executar hoje! 
            Os homens voltaram suas atenções ao que César dizia. 
            - Eu preciso que um grupo de dez homens renda os guardas da ala sul do palácio, outros dez homens rendam os guardiões da ala norte e outro grupo de dez se dividam em dois; um dos grupos avançará até o portão principal e os outros assegurarão que ninguém entre. Você – apontou para Ceo – irá mandar um mensageiro até o Senado, por que o imperador precisa comunicar-lhes algo de urgência e também dirá aos soldados presentes que se escondam atrás das cortinas do Capitólio, por que possivelmente alguém possa resistir ao que será desconstruído a partir de hoje. Uma grande mudança no Estado está para acontecer. O esperarei aqui. Você e eu temos acesso às entradas daquele castelo. 
            - Dispensados! – César gritou e eles saíram. 
            Uma sensação de hostilidade preencheu o ar. 
            - Tudo está caminhando de acordo com o planejado – César disse sem encarar o encapuzado encostado à parede. 
            Ares balançou a cabeça satisfeito. 
            - Oh sim, percebo. Boa jogada... Bom plano... Boas histórias – disse sorrindo. – Controle suas mentes e você terá os corpos ao seu serviço. 
            E sumiu. 
            - Senhor, o mensageiro foi enviado. – Disse Ceo prontificando-se. 
            - Ótimo. – César seguiu em frente – Vamos. Temos que conversar com o meu sobrinho e dar as boas novas. 
            Dentro do palácio os soldados moviam-se secretamente, sem que fosse notada a sua presença. Aproveitaram-se da condição de guerreiros romanos para executarem o plano. Invadiram as alas sul e norte do palácio derrubando os guardas e escondendo os corpos. Enquanto isso César e Ceo entraram por uma porta secreta que dava acesso à câmara particular de Otávio Augusto. A informação que Ceo dera a César era que Otávio havia saído para uma reunião com Marco Antônio e Lépido, seus aliados do segundo triunvirato e só voltaria na madrugada. César iria esperar Otávio entrar na câmara sozinho para rendê-lo e matá-lo. 
             - Você irá ficar atrás daquela cortina escura – César apontou para a cortina perto da cama. – E eu, atrás da grande janela que visa toda a minha conquista... – Respirou como se sentisse o cheiro de Roma – Oh, minha adorada cidade... Meu amado império... Nem as facadas daqueles traidores foram capazes de me separar de ti! – Ele falava como um artista obcecado pela própria arte. 
             Especialmente naquele fim de noite e principiar do dia, a câmara de Otávio estava fria, banhada em sombras e somente a fraca luz amarelada dos primeiros raios pálidos do sol clareavam debilmente parte da cama. As samambaias que se postavam de um lado e outro da grande porta de madeira estavam sem vida, respondendo levemente ao vento cortante que entrava pela janela. As paredes feitas de grandes blocos de pedra davam o aspecto de uma cripta à luxuosa câmara de Otávio Augusto. Nem as sedas indianas, o leito enfeitado de almofadas do Oriente, o tapete carmim ou as flores tornava aquele ambiente menos sombrio que também conspirava com as duas criaturas traiçoeiramente escondidas, esperando pela distração da vítima. Por que todo o momento de um grande homem chega ao fim por um pequeno deslize, por algo que ele sequer tivesse capacidade de compreender. Fosse talvez pela decisão que desviasse o percurso, fossem as decisões de uma força maior – mas tudo o que se constrói de bom ou de ruim um dia decaem pelas melhores e até as piores mãos. O final do caminho do homem é sempre o abismo de sua própria consciência. Ceo e César esperaram uns poucos momentos até que Otávio Augusto entrara afastando a escolta. 
              - Deixem-me em paz com os meus agouros! Eu não quero que ninguém me atrapalhe em meus aposentos, entendido? Dispensados – fez sinal para que os homens saíssem – Oh, pelos deuses, meus pensamentos estão com um nó. Às vezes os ensinamentos de meu tio fazem falta. – Suspirou pesaroso quando fez menção de sentar-se no leito. 
              - Mas não fará mais – A voz saíra detrás da cortina da janela que dava vista para a cidade de Roma. 
              Otávio levantou do leito sem retirar os olhos da figura à sua frente. César sorria vitorioso olhando não para o sobrinho horrorizado, mas para uma massa escura atrás de Otávio. Ceo agarrara-o pelas costas rendendo Otávio firmemente e tapando-lhe a boca. Ele sequer se mexeu ou fez menção de querer reagir. Sem poder acreditar naquela visão Otávio apenas encarava o seu falecido tio avô César em pleno vigor físico e o nada que gritava em seu olhar. 
              César sorrira em tom grave. 
              - Deve estar se perguntando... Onde...? Como...? Por que...? – Suspirou – Eu sou uma maravilha – apontou para si mesmo – meu destino sempre será reinar sobre Roma. É por isso que voltei. E é por isso que você tem que me substituir até depois da morte, caro sobrinho. 
              Um estalo seco e nauseante ecoou nos aposentos do imperador. Um corpo caia de olhos abertos sem crer no que via. Jazia no chão frio Otávio. Ceo quebrara o pescoço dele com uma facilidade impressionante. 
              - Feche os olhos do homem – disse César friamente – dizem que é agourento quando alguém morre olhando para seu assassino. Não preciso dessa sombra. Além do mais sobrinho – disse César olhando o cadáver – estou decepcionado com seu governo. Roma é guerra, poder e não o Olimpo. 
              César despiu o cadáver e roubou-lhe a toga, tirou a coroa e pegou o cetro. Sentindo-se um general triunfante autodeclarou-se o imperador absolutista e sai orgulhoso tendo ao lado Ceo com o corpo de Otávio Augusto no ombro. Com os corredores livres, ordenado pelo próprio Otávio, eles seguem para o Capitólio. 
              O dia amanhecia preguiçosamente. O sol escondia-se atrás das pesadas massas de ar. O céu estava negro, como se fosse quase noite. Aquele era um prelúdio dos deuses para avisar que um nobre morreu. 
              Reunidos na grande mesa a espera de Otávio, César entra vestido como imperador escoltado pelo homem descomunal. 
              - Sejam todos bem-vindos meus caros – Olha para todos deliciando-se do espanto do Senado. – Esta noite presenciaremos o grande retorno de Júlio César do mundo dos mortos diretamente para o mundo dos vivos, assumindo o seu poder que é de direito, caso morra o atual imperador. 
              Ceo joga o corpo de Otávio Augusto em cima da longa mesa. 
              Ali ainda estavam alguns dos conspiradores de César. O velho Cássio, Cina e Metelo Címber. Os demais haviam morrido, sendo substituídos por outros homens poderosos da época. 
              - Mas o que significa isso? – Disse o quebradiço Cássio, um dos anciãos do conselho e responsável pela movimentação contra César. 
              César dera uma longa gargalhada. 
              - Ora Cássio, que bom vê-lo... – César andou para mais perto – Ainda coça a cicatriz que você me deixou da última vez em que nos vimos. 
              O velho estava mudo de espanto. César desembainhou a espada e empurrou o ancião contra a parede estocando-o em seguida. Em lugar de um corpo, só havia cinzas. 
              - César já não é apenas César. Um homem, certamente. Mas não César mortal. Vocês irão unir-se a mim, embora o meu poder me diga que não preciso de ninguém. Servirão para espalhar as boas novas por Roma. 
              Cina levantou-se da cadeira. 
              - Não – enfrentou – não iremos compactuar com suas idéias de aprisionamento. Iremos lutar contra ti, mesmo que tenha voltado do submundo. 
              César girou nos calcanhares e ficou de costas. 
              - Vocês o farão por bem ou – estalou os dedos e mais de vinte soldados apareceram por detrás das cortinas – pode ser por mal. 
              Os soldados apontaram suas armas para o Senado. Não poderia haver resistência. O Senado não teve outra escolha a não ser aceitar que Júlio César fosse novamente o imperador de Roma. 
              - Dispensados, senhores. - Ele olhou para Cina penetrantemente. 
               Imediatamente César convoca uma reunião com as tropas que estavam em Roma e usar de sua divindade imposta para comandá-los. Naquela manhã, a cidade estava em polvorosa e os soldados reunidos experimentavam a estranha sensação de estarem sendo observados o tempo todo. 
              - Eu sou o poder – apontou para si mesmo. – Eu voltei do submundo para governar novamente a minha adorada Roma e o mundo. De agora em diante Caio Júlio César não é mais um homem – sou um deus entre vós. Fui agraciado com a vida e muito mais do que ela: o poder de ser além do humano. Curvem-se! Sob meu braço estarão protegidos e sob minha espada padecerá todo agitador e qualquer rebelde. – Ele pigarreou. – No passado fui vítima de meu braço direito, o homem de minha confiança. Bruto apunhalou-me pelas costas. - Baixou a toga até a cintura. – Vejam com seus próprios olhos e testemunhem César, o único homem capaz de retornar do mundo dos mortos para governar Roma. 
              Uma grande agitação percorreu os homens. Não houve um sequer que não se arrepiasse ao verem as cicatrizes que estampavam o corpo moreno do imperador. 
              - Vocês estão comigo? – Ele gritou e os soldados urraram em resposta. – Se estiverem comigo estarão com Roma! 
              Todos gritavam o seu nome brandindo as espadas. 
              Pela manhã já corria a notícia de que César voltara do mundo dos mortos e as histórias modificavam-se até que ele tornou-se um deus entre os homens. Aquele nome antes temido voltara a provocar o terror na gigantesca população romana e nos domínios daquela nação. 



¹ Ordem no caos. 




Segunda-feira, Terceiro Capítulo




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